Passam apenas alguns minutos depois da uma e meia da tarde. O sol está meio escondido, mas o calor faz-se sentir.
Cá fora ainda se acotovelam muitas pessoas a tirar naquele minúsculo espaço as últimas fotografias, antes de entrar para a igreja. Lá dentro a azáfama é ainda maior. Quatro baptizados, quatro famílias. Todas da mesma zona. Nenhuma se conhece. Nada que ninguém estranhe. Estamos nos arredores de Lisboa. Aqui ninguém vive, apenas dorme. O barulho continua e muitos familiares procuram o melhor lugar para conseguirem ver o baptizado do sobrinho, do primo ou do filho do amigo. Nenhum lugar está livre... há quem peça até se pode ficar mais perto. Há sorrisos no ar, conversas de circunstância, beijinhos, abraços e até supresas. "Afinal sempre vieste?!" ouve-se aqui e ali.
E subitamente tudo é cortado de forma fria, sem emoção por uma voz esganizaçada: -Estamos no templo do senhor. Ou se calam ou eu não baptizo ninguém.
É assim que o padre faz a sua aparição na igreja, que há muito precisa de obras. O choque é total. O silêncio imediato. Mas pouco duradoiro. "Que mal educado" são as primeiras palavras que se fazem ouvir dos muitos presentes. O padre parece imune a um comentário dito de forma bem mais audível. A cerimónia começa. Lenta, sem pressas, enfadonha. A conversa do pároco é de outros empos. Fala-se de coisas antigas, de vindas à igreja diárias, da obrigação à confissão, do dever das mulheres cuidarem da casa. Na audência os comentários não param. Há uma certa incredulidade nas palavras que ouvem da boca do padre. Há até mesmo tempo, no discurso do jovem para que se perdoem os males feitos às criancinhas no caso Casa Pia. Os comentários sobem de tom...
-Calai-vos ou não continuarei esta cerimónia. Aqui apenas falam os inocentes e esses são as crianças.
A cerimónia continua. Há um certo mal estar que aumenta quando o pároco repara que duas das famílias estão incompletas. Uma por divórcio, outra porque nunca houve pai. As palavras do padre fazem-se ouvir.
-É preciso manter a família unida. Custe o que custar. As crianças devem ser trazidas para o seio da igreja católica e isso só pode acontecer de forma correcta se a família estiver completa. A mãe cuidando da casa. O pai a trabalhar. E ao Domingo, sem falta, uma visita à igreja. É assim a família...
Os múrmúrios sobem de tom. O padre manda sair da frente das crianças os muitos fotógrafos amadores e profissionais e diz-lhes mesmo que os proibe de tirar fotografias naquele momento, quando banha a criança na água sagrada e a unta com os óleos divinos. Quando um familiar mais afoito tenta romper a ditadura do pároco é travado pelo mesmo que ameaça não baptizar aquela criança se ele tirar a foto. O homem protesta mas volta ao lugar. A cerimónia arrasta-se. Passaram mais de 65 minutos. Há tempo para evangelhos de cristo, para pais nossos e avés marias. Poucos são os que colaboram nesta altura. Sente-se mau estar na igreja que está tão triste e lúgrube como a cerimónia.
E por fim... é o adeus. São segundos até o espaço ficar vazio. Ninguém gostou do padre.
Foi assim um baptizado em Lisboa numa igreja.
É desta forma que se pretendem atrair mais fieis a uma religião que morre a cada ano que passa? Não me parece que esta seja a forma certa. Os anos da ditadura há muito que passaram. A forma de vida há muito mudou. É tempo da Igreja sair do seu casulo e mudar também.