Ao longo da minha existência já fui chamado de muita coisa: simpático, brincalhão, estúpido, estafermo, engraçado... mas confesso que charmoso nunca. Especialmente, durante a manhã. E isso levou-me a pensar. Afinal, palavra tal só havia visto aplicada a homens de alguma idade (depois dos 40) e com um cariz, mais ou menos parecido ao do George Clooney. Eu até agora, sempre me achei muito longe de tal ícone de cinema, por isso é natural que tenha ficado abismado, quando na passada quarta feira ouvi tal elogio.
Porque ainda para mais era de manhã.
Se há coisa que de manhã não sou é simpático. A minha cara transmite, em poucos trejeitos, tudo durante as primeiras horas do dia...especialmente se for num em que tenha de trabalhar. O aviso, geral, é: afastem-se que estou mal disposto.
Por isso, quando na quarta feira entrei na papelaria, para carregar o meu passe, foi com espanto que ouvi da boca de uma das pessoas que ali estava, para fazer o mesmo que eu, a seguinte frase:
- Mas que charmoso que ele está...
Confesso que na altura nem olhei em volta. Pensei que poderia ser para outra pessoa qualquer e como não me queria aborrecer nem dei atenção...até reparar que para além de mim, e da velha da papelaria- que de charmosa, com aquela verruga não tem nada- não estava mais ninguém. Excepto a voz...
Olhei então na direcção do som.
Ao meu lado estava uma mulher que já não via há uns anos.
Demorei alguns minutos para que o meu cérebro, ainda adormecido, conseguisse computar quem era aquela figura do sexo feminino. Lembrei-me então: a minha professora de Francês do sétimo ano. Continuava pequenina, mais ou menos com o mesmo aspecto. Bonita, sensual (eu sempre a achei um pedaço) e com aquele sorriso capaz de iluminar uma sala. Ok, tem mais uns anos em cima...mas continuava tão engraçada como então. E para dizer a verdade tenho a sensação que ela não deve ainda ter feito os 45... acho!?
Antes que eu pudesse responder fosse o que fosse começou a dizer que ainda se lembrava de mim, que se lembrava do meu nome, das minhas patifarias, do que eu fazia nas aulas...eu sei lá. Perguntou-me o que fazia, onde vivia, etc, etc, etc.... Confesso que mal respondi e que ela fez a despesa da conversa toda.
Porém as palavras charmoso e elegante (esta última surgiu uns minutos depois do início do breve monólogo que ela teve comigo) vinham da boca dela facilmente, como se estivesse a falar, com o Paulo Pires. E garanto-vos, que não sou nada parecido com ele... e tenho quilos a mais... que se fartam!
A conversa, infelizmente não se prolongou muito tempo. Ela estava atrasada, eu também. Mas lembro-me da última frase:
- Não esperava que ficasses assim...tão charmoso. Estás muito bem mesmo! Gostei de o ver...
E assim foi...a correr para apanhar o seu autocarro em direcção à minha velha escola onde ainda hoje lecciona.
Eu fiquei na rua, embasbacado... e pelos vistos charmoso!