Vivo no mesmo bairro há anos.
Já aqui vi passar expos, pós expos, metros e mais uma quantidade de coisas. Até já tivemos direito, durante anos a fio, a um desfile privado com palhaços, malabaristas e afins que percorriam a rua á procura de uns trocos para beber uma cerveja. E eu que nunca fui apreciador de circo espreitava...
O tempo foi passando e a modernidade foi-se instalando.
Metade das mercearias fecharam, os cafés já não tem aqueles quitutes de outrora e até quem atende já não nos conhece e trata por menino. Até a loja de electrodomésticos, que na minha meninice era um sucesso...e onde me podia entreter horas a fio, pois tinha as coisas mais estranhas... despareceu. Fechou!
Agora há centenas de rostos desconhecidos, carros a mais e crianças a menos. A rua tornou-se um deserto quando o relógio bate a meia noite e só quem tem cãozito se atreve a por um pé fora de portas. Não é medo... é falta de hábito!
Já ninguém brinca na rua e mesmo quando o calor aperta, como ontem, ninguém...ou muito poucos se metem em aventuras.
No meu tempo (e não estou a fazer isto como se fosse uma daquelas avozinhas que falam do passado com demasiada nostalgia) de puto charila não havia muro ou vedação que escapasse.
Hoje, mesmo aqui ao lado, está um espaço enorme, que em tempos pertenceu ao Amadeu Gaudêncio. Hoje são só escombros, paresdes gastas, e muitos gatos a vaguear pelas ruinas. Foi deixado ao abandono depois do fracasso de mil e um negócios. E ao contrário do que aconteceu com a velha mansão que nos anos oitenta foi rainha da vizinhança neste ninguém se atreve a pâr os pés. A mansão serviu como local perfeito para o primeiro beijo, para uma simples brincadeira de escondidas... ou para pregar um susto aos incautos. Já o Amadeu está ali, ao abandono. Ninguém o quer. E todos rezam para que desapareça...nem se importam que dê lugar a prédios modernos cheios de vizinhos com criancinhas chatas...
Com excepção de um drogatido ou outro, o velho Amadeuestá sozinho. Ninguém se atreve a brincar aos exploradores, aos aventureiros, ou simplesmente a ver o que pode ganhar com uma viagem a tão grande terreno. Ninguém quer lá brincar á panhada, ás escondidas e muito menos ao bate pé (se é que alguém ainda hoje sabe o que isso é!)
Aquele espaço que podia ser o fruto proibido de tanta criança está ali, sozinho, abandonado...à espera de novos inquilinos...talvez mais meia dúzia de gatos. Uma pena...